domingo, 29 de maio de 2011

Barth e Bultmann

Conversa entre dois velhos “amigos”:

Barth e Bultmann


Eles estavam sentados juntos na grande mesa de carvalho perto do fogo. Já era tarde. Bultmann diz à Barth: “não consigo entender nada do que você escreve”. Então Barth pergunta: “mas quantos livros meus você já leu? Bultmann responde: “eu desistir de tentar ler a sua infinita Dogmática, pois é muito ruim”. Há! Exclamou Barth.

- Você não pode compreender meus livros, e ainda assim você não lê-los!

Bultmann riu e acendeu um fósforo. Mastigou o cachimbo por um momento, e então disse:

- Bem, Barth, se você tivesse tempo para explicar seus conceitos para mim, então eu iria ler teus escritos. Pois mal posso compreender uma palavra que você diz. Toda essa conversa de reconciliação e de ressurreição e da história de Jesus, não faz sentido para uma pessoa no mundo de hoje.

Barth inclinando-se sobre a mesa responde:

- Então você acha que meus livros são sem sentido! Ou eu deveria dizer mitológico?

- Bem Barth, você usa palavras e conceitos, sem primeiro esclarecer o que eles significam, você fala a linguagem do mito, fala sem reflexão.

Barth bebeu um gole de vinho, as sobrancelhas arqueadas acima dos óculos de aro preto. E disse:

- Vocês teólogos alemães! Você quer me explicar tudo antes de eu começar a falar, mas eu, por outro lado, prefiro conhecer o conteúdo para depois falar.

Bultmann franziu a testa e soprou uma longa corrente de fumaça. E respondeu:

- Ah, sim, você está feliz em simplesmente adotar a linguagem e os conceitos do Novo Testamento, como se nada poderia ser mais claro. Você esquece do abismo que separa nosso mundo do mundo do Novo Testamento. As pessoas que lêem a sua Dogmática não estão mais vivendo no primeiro século. Como pode a mensagem do Novo Testamento ser comunicada sem primeiro ser traduzida?

Barth bateu o cachimbo sobre o cinzeiro e disse:

- Você acha que há um abismo entre os povos modernos e a mensagem bíblica. Você acha que, apesar da revelação de Deus, esse abismo permanece. Não é só Deus que cruza o abismo, mas nós também devemos fazer nossa parte para atravessá-lo!

Bultmann ergueu as mãos em desespero:

- Então você propõe a repetição das palavras e frases da Bíblia? Um retorno ao mundo mítico do Novo Testamento.

- Não, não, não!

Disse Barth tão alto que seus óculos caíram de seu nariz.

- Caro Rudolf, o fato de a revelação ter ocorrido apenas em mil novecentos anos atrás, para mim, não tem importância especial.

Ele se inclinou para Bultmann, olhando para ele sobre as bordas pretas de seus óculos e disse:

- Aqui está o que eu penso, Rudolf, eu acho que não há qualquer abismo entre o lá e o aqui e agora. Pertence à própria natureza da revelação incluir dentro de si o nosso aqui e agora. Jesus Cristo já ressuscitou! Ele vive e age! Não há nenhum abismo para nós atravessarmos para chegarmos até ele! Sua história já inclui a nossa própria história.

Bultmann foi alisando o bigode largo com o polegar e o indicador. Levantou uma sobrancelha cética, e comentou:

- Todas estas palavras, Karl: história, revelação, ressurreição. O que se deve fazer de tais palavras quando você tão firmemente recusa-se a interpretá-las?

Mas Barth ignorou a pergunta e pressionou.

- Tudo o que precisa ser dito é que a revelação é Jesus Cristo. Jesus Cristo não é somente Deus para a humanidade, ele é também o ser humano para Deus. Não existe nenhuma lacuna entre Deus e o ser humano.

Bultmann franziu a testa profundamente. Depois de um longo silêncio e disse:

- Barth, acho que você esta tentando ignorar todos os avanços da crítica-histórica. Eu acho que você está tentando continuar como se o século XIX, nunca tivesse acontecido. Mas cuidado! Que em jogar fora o legado do século XIX não encontre no mundo do século XVI, no mundo da ortodoxia.

Barth sorriu. E olhou por cima da mesa e disse:

- Bem, você sabe, Rudolf, se tenho que escolher entre o historicismo do século XIX e a ortodoxia do século XVI eu fico com...!

Bultmann interrompeu e disse:

- Outra garrafa de vinho!

Assinalando para a garçonete. Já era tarde e a conversa dos dois velhos amigos continuou ao lado do fogo.



Testemunho da conversa: David Rubens

Rudolf Bultmann (1884-1976), homem do séc. XIX

Karl Barth (1886-1968), homem do séc. XVI

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